Para o filósofo grego Aristóteles, uma das grandes referências do pensamento ocidental, a mulher era um ser incompleto, faltava-lhe o falo/pênis. Aos homens cabia o prazer com outros homens e, para a procriação, eles mantinham relações sexuais com as mulheres, afinal, a humanidade precisava ser mantida, era necessário ter filhos. À mulher competia parir e criar os filhos dos homens.
No Rio Grande do Sul no final do século XIX, aos tempos de Júlio de Castilhos, predominou a filosofia de Augusto Comte, para quem a mulher deveria ser a rainha do lar e anjo tutelar. Não se pode esquecer que, conforme o ideal burguês, um homem bem-sucedido, é aquele que escolhe uma bela mulher, que sabe administrar o lar, cuidar dos filhos e, de preferência, falar francês e tocar piano.
Se alguém duvida das linhas precedentes, basta revisitar a farta bibliografia que existe sobre o tema.
A nossa sociedade é, por definição, uma sociedade patriarcal, a sociedade do homem, do macho. Contudo, nos últimos tempos, temos assistido ao recrudescimento, à intensificação da violência contra mulher: meninas, jovens, adultas, idosas.
Dias atrás, ouvi uma entrevista com a professora e pesquisadora da Universidade de Brasília, Débora Diniz, que se manifestava sobre ética, direitos humanos e saúde da mulher. Ela falou algo tão simplório, tão claro, tão evidente: mulheres não escutam mulheres, mulheres não amparam mulheres. O acadêmico Antonio Meneghetti, fundador da Ontopsicologia, segundo estudos da pesquisadora Maria Alice Schuch, afirma algo semelhante: mulheres boicotam mulheres.
Mulheres livres, autônomas têm sua feminilidade posta em cheque. Mulheres que não têm um casamento formal, que não têm filhos (rainhas do lar e anjos tutelares), tem a sua feminilidade posta em cheque. Mulheres, que são vítimas de violência intra-familiar, “pediram para apanhar”. Mulheres, que são vítimas de estupro, não deveriam usar determinada roupa, não deveriam frequentar determinados locais. Conforme Débora Diniz (UNB), dificilmente, uma mulher abraça outra mulher, que é vítima de qualquer tipo de violência, mas, com extrema facilidade, mulheres dizem: “Ah, não acredito que ele bate em ti”, “Mas também, tu botas essas roupas chamativas”, “Ah, mas quem manda andar sozinha à noite”. E a própria pesquisadora, Débora Diniz, questionou por que razão mulheres não dizem: “Vem cá, vamos conversar”, “Vem cá, vamos ver o que é possível para te livrar dessas violências”, “Vem cá, tu precisas continuar estudando e tu tens direito a estar na rua à noite, isso não pode ficar assim”.
Agora, deparamo-nos com um médico anestesista que estupra mulheres, sente prazer/gozo com mulheres anestesiadas que estão sendo submetidas a cirurgias, cesáreas. Até quando o corpo da mulher será assim: violado, violentado, vilipendiado? Até quando a sociedade patriarcal, do homem, do macho, sob a conivência vergonhosa de mulheres discutirá por um ou dois dias um caso e esquecerá, banalizará como se banalizou qualquer tipo de violência? Que mundo os homens estão legando para as suas filhas? Que mundo as mulheres estão legando para as suas filhas? Compromisso com o futuro? Parece ser zero, né?!