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Artigo: Café com a morte

Artigo: Guilherme Kuhn | Advogado Criminalista.

Matéria Publicada em: 08/11/2021
Imagem/Ilustrativa.

Falar sobre a morte é tarefa extremamente difícil. Por mais que tenhamos a consciência de nossa insuficiência, de nossa pequenez, de nossas limitações, de nossa finitude; por mais que possamos saber que para todos, sem distinção, a vida não dura para sempre, há uma espécie de proibição cultural em falar sobre ela: a morte.

Em nosso mundo, por uma questão de tradição cultural e de inconsciente coletivo, a morte se transformou em tabu: é quase um pecado falar sobre ela... conversa tão desagradável, indesejada, visto como inoportuna, que deve, portanto, ser evitada de qualquer modo, seja no diálogo com familiares, com adultos, com crianças etc.

A consequência disso é: não estamos preparados para a morte. E por mais que ela seja um fato inevitável, haverá sempre a esperança de que ela nunca venha. Os médicos, em geral, tomam café com a morte todos os dias. Os psicólogos, notadamente aqueles que atuam na psicologia hospitalar, também. Esses profissionais trabalham com a finitude da vida e têm a missão de dizer isso aos pacientes, de fazer com que tenham consciência disso e de que, muitas vezes, aceitem ela - a morte -, diante de alguns quadros críticos e irreversíveis.

Por mais irônico que possa soar, é aceitando a morte que a vida passa a se tornar suportável; é aceitando ela que se percebe a importância de realmente viver intensamente a cada instante - pode parecer clichê, mas não é -, como se não houvesse amanhã.

Sim. Ela - a morte - pode vir das mais diversas maneiras. Em algumas situações ela fornece um aviso prévio; em outras, simplesmente, não. Ela pode advir de forma trágica, de forma violenta; ou, então, de causas naturais. Ela pode surgir - infelizmente - “do nada”.

Sim. Alguém que amamos pode morrer em decorrência de uma grave patologia ou, então, de forma completamente inesperada: enquanto caminhava na rua, de causas naturais.

Nunca se sabe quando ela pode vir. Pode ser que seja numa apresentação, num grande evento, num evento importantíssimo, perante diversas pessoas, clientes, espectadores, amigos e familiares. Pode ser que ela venha quando, num evento desses, o apresentador segure um microfone e, inesperadamente, sofra uma descarga elétrica.

Pode ser que ela venha numa viagem de lazer, num acidente de trânsito. Pode ser que ela venha, inesperadamente, na queda de um avião, que se destinava a alegrar milhares e milhares de pessoas, com a sofrência que marcou o Brasil e deixará marcas para sempre.

Todo mundo já perdeu alguém importante em sua vida. E em cada perda, que nos marca, é como se um pedaço nosso fosse junto, como se tivéssemos partido junto. Mas isso não é verdade.

A morte leva a pessoa que amamos… e essa pessoa não volta; a vida, portanto, jamais será a mesma. E não pode ser a mesma. Mas ela - a morte - passa, nós continuamos aqui, a vida continua.

Precisamos tomar café com a morte. Precisamos falar sobre ela. Porque ela pode vir, simplesmente, “do nada”, sem dar aviso, sem possibilitar a mínima preparação para ela.

Hoje, segunda-feira, inicio o meu dia tomando café com ela, ciente da minha finitude e da finitude das pessoas que eu amo. E assumo aqui um compromisso, com a minha mãe, com o meu pai, com a minha irmã, com a minha avó, com a minha família, com os meus amigos: se um dia ela vier para vocês (o que eu não espero que aconteça!!), sorrateira e clandestina, certamente sofrerei, chorarei e tenho ciência que a vida jamais será a mesma (e não pode ser!)... mas assumo o compromisso de não morrer junto com vocês, porque vocês foram, eu não! Eu fico! Eu continuo aqui. A vida continua e ela - a nossa vida -, não pode partir quando perdemos alguém que amamos. Assumo o compromisso de ser feliz todos os dias, independentemente da morte de vocês.

E peço que assumam o mesmo compromisso comigo: se um dia eu - simplesmente - partir (o que eu não espero que aconteça!!), assim como aconteceu com a nossa rainha da sofrência, Marília Mendonça, eu exijo: não morram junto, porque quem partiu fui eu e não vocês! Querendo ou não, a vida continua. Eu exijo, nesta situação hipotética, que assumam o compromisso de serem felizes assim como seriam se eu estivesse aqui.

A vida é isso: a vida é durante. A vida, nas palavras do poeta Allan Dias Castro, “não dura para sempre, é durante.”

É tomando café com a morte que relembro, todos os dias, que a vida é aqui, é agora.

Guilherme Kuhn,
Advogado Criminalista.

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