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Seres humanos, imperfeitos, mas esforçados (que se entristecem)

Elaine dos Santos | Professora Doutora em Letras (UFSM)

Matéria Publicada em: 25/01/2023
Elaine dos Santos | Professora Doutora em Letras (UFSM)

Como professora de Literatura já aposentada, mas com boa interlocução com um grupo de indivíduos devidamente esclarecidos na faixa entre 30 e 50 anos, o meu estado de espírito melhorou muito durante a pandemia. Em rigoroso isolamento por determinação médica, fui me afastando de pessoas negativas, tóxicas e “crentes” em notícias falsas, disseminadoras de ideias que, na prática, pareciam-me absurdas.

O foco deste texto, porém, não é a ignorância humana (ignorância, aqui, entendida como falta de conhecimento sobre determinado assunto, uma vez que todos somos ignorantes sobre algum assunto. Eu, por exemplo, quando o meu carro “se bobeia”, entrego a chave para o mecânico de confiança, autorizo a compra e troca de peças e aguardo o aviso que o carro está pronto), quero refletir sobre como as relações entre as pessoas tornaram-se difíceis e como fechamos os olhos uns para os outros.

Por vezes, a vontade é bloquear o indivíduo nos aplicativos de mensagens, mas ele continua existindo; por vezes, o desejo é que ele deixe de manter contato conosco, mas ele continua existindo – quero referir que muitas pessoas são parte da nossa história e, independente do seu pensamento, elas continuam parte da nossa história. Há uma frase atribuída a Terêncio, filósofo romano, que muito me agrada: “Sou humano e nada do que é humano é-me indiferente”.

Não sei explicar o motivo, mas me descobri, no período pandêmico, como amiga ou conhecida (como queiram) de diferentes padres das paróquias da minha região e além dela. Se eu moro sozinha, mas “trovo fiado” com os meus ex-alunos, com os meus amigos, falo palavrão, ironizo diferentes situações, comecei a pensar nos meus amigos/conhecidos padres que eram procurados por todo tipo de pessoa (e é bom que se diga que a maioria das prefeituras municipais falhou no serviço de atendimento psicológico a enlutados na pandemia), com todos os preconceitos, com todas as manias, com todos os perfis ideológicos.

Em um dia qualquer, mandei uma mensagem para o padre da minha paróquia. Algo como: “eu estou aqui, sei que o senhor não deve estar enfrentando dias fáceis, estou rezando pelo senhor (eu sou abusada, né?! Rezando pelo padre!), torcendo para que o senhor tenha coragem, discernimento, determinação para enfrentar todas as intempéries sociais que lhe assolam” (eu sou abusada, né?!). Era o momento em que me dava conta que padres são seres humanos como nós, em geral, moram sozinhos, convivem com outros padres, são propagadores da fé em Deus, são cobrados pela comunidade para que estejam sempre serenos, aptos a dizerem a melhor palavra – e vamos combinar (?), convivendo entre os “çábios” e os “jênios” da

comunidade que se acham no direito de lhes dizer o que é melhor para essa mesma comunidade (em outras palavras: tem cristão que se acha dono da Igreja e sabe mais que o padre).

Um site nacional traz, nesta semana, uma longa reportagem sobre padres, com o título “Do céu ao inferno”, em que padres falam sobre depressão, ansiedade, busca por ajuda de especialistas (psicólogos, psiquiatras) e se faz referência a ambientes tóxicos (paróquias, comunidades) e ao ambiente hierárquico da instituição igreja.

Sou fã (sim, eu adoro redes sociais) do Padre Patrick Fernandes, 35 anos, de Parauapebas (Pará), um conhecido tiktoker, que dá conselhos nada convencionais e muito bem-humorados para supostos “consultadores”. Padre Patrick enfrentou a depressão naquele nível em que a pessoa não quer sair do quarto, não quer que o dia amanheça.

O que me levou a escrever este texto? Concentrados em nossos umbigos, convictos de nossas certezas, não olhamos para o lado, nem mesmo para as nossas famílias, para os nossos vizinhos, para as tristezas que nos cercam e estão diretamente ao alcance da vista e exigimos que algumas pessoas, por sua capacidade intelectual, por sua profissão, sejam super heróis. Quantas vezes conversamos com os padres das nossas paróquias? Quantas vezes consideramos que os padres de nossas paróquias têm uma história de vida antes de serem os padres de nossas paróquias, afastam-se de pais, mães, irmãos, para cumprir um ideal religioso? Quantas vezes consideramos que os padres de nossas paróquias precisam lutar com as manias, os ranços dos nossos paroquianos para que as ações, as festividades aconteçam a contento de todos? Quantas vezes os nossos padres, os padres das nossas paróquias são parte do nosso dia a dia e são lembrados como tal?

Padres enlutecem, padres sentem saudades, padres gostam de conversar, padres têm hobbies que nós desconhecemos, padres frustram-se, padres irritam-se. Padres são humanos e, como tal, merecem ser tratados com acolhimento, com afeto, com respeito, mas com escuta solidária, para que, para além de nós, eles possam ser acolhimento, afeto, respeito, amparo para outras pessoas que precisam deles (e nós!). Não quero mudar a opinião de ninguém (muito menos dos paroquianos chatos, donos da verdade), mas, quem sabe, tocar o coração daqueles que, com empatia, conseguem entender que somos carne, ossos, vísceras, sangue e os padres não são diferentes.

Professora Elaine dos Santos

Doutora em Letras/UFSM

Revisora de textos acadêmicos 

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