O juiz da 1ª Vara Cível de Ijuí, Guilherme Eugênio Mafassioli Corrêa, deferiu pedido de urgência (liminar) formulado pelo vereador César Busnello (PSB), em processo de Ação Popular ajuizada contra o Município de Ijuí e o prefeito Valdir Heck.
O magistrado determinou a suspensão dos efeitos das Leis Municipais nº 6.508, 6.509, 6.510 e 6.511/2017, sancionadas pelo prefeito Valdir Heck, que tratam dos cargos comissionados do Executivo (131 CCs).
De acordo com a decisão judicial, “... os efeitos da presente decisão devem retroagir desde a data da publicação das referidas normas... inclusive relativamente a eventuais nomeações já realizadas, decorrentes das citadas leis”.
Segundo o vereador, o custo anual com os CCs é muito alto - em torno de R$ 7 milhões. Para o parlamentar “há vícios nos projetos, ausência do impacto financeiro, violação do princípio da moralidade + impessoalidade + eficiência”.
Veja a decisão judicial na íntegra
016/1.17.0000856-9 (CNJ:.0001403-04.2017.8.21.0016)
Vistos.
Trata-se de Ação Popular ajuizada por César Busnello contra o Poder Executivo Municipal de Ijuí e Valdir Heck, Prefeito Municipal, na qual postulou, liminarmente, a suspensão dos efeitos das Leis Municipais nº 6.508, 6.509, 6.510 e 6.511/2017, as quais criaram diversos cargos em comissão com lotação nos órgãos da Administração Pública Direta, em razão da alegação de inconstitucionalidade formal e material.
As irregularidades apontadas, resumidamente, são as seguintes: a) Infringência aos artigos 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal, uma vez que ausente demonstração da estimativa de impacto orçamentário-financeiro, declaração do ordenador de despesas sobre a compatibilidade da criação dos cargos com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Lei Orçamentária Anual (LOA) e Plano Plurianual (PPA), demonstração da origem de recursos para custear as despesas criadas, demonstração de não afetação das metas de resultados fiscais; b) Infringência ao artigo 169, §1º, I, da Constituição Federal, em razão da insuficiência de dotação orçamentária municipal para custear o aumento de despesas; c) Infringência ao artigo 37, II, da Constituição Federal e artigo 32 da Constituição Estadual, em razão da ausência de atividades de chefia, direção e assessoramento dos cargos criados, bem como ausência de parâmetro para a estipulação de idade e grau de escolaridade exigidos.
A análise do pedido liminar restou postergada para depois do contraditório.
Citados, os réus apresentaram contestação. Em preliminar, arguiram: a) o não cabimento da ação popular para fins de declaração da inconstitucionalidade de leis; b) ilegitimidade ativa; e c) inépcia da inicial. No mérito, discorreram sobre a regularidade e legalidade das leis impugnadas, bem como sobre a observância dos princípios constitucionais que norteiam a atuação da administração pública. Requereram a improcedência dos pedidos e juntaram documentos.
Sobreveio manifestação da parte autora, requerendo a regularização de sua representação processual (fls. 427/428).
É o breve relato.
Decido.
Primeiramente, passo a analisar as preliminares arguidas na contestação.
Quanto ao cabimento da Ação Popular:
Nos termos do art. 1º, da Lei 4.717/65, para fins de ajuizamento da Ação Popular, necessária a demonstração da existência de ato ilegal com lesão ao patrimônio público, seja na esferal federal, estadual ou municipal:
Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.
No mesmo sentido, é a redação do art., 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
No caso, o ato combatido é prejuízo ao erário decorrente do sancionamento dos projetos de lei que acabaram criando diversos cargos em comissão, os quais, segundo alega o autor, encontram-se eivados de irregularidades e ilegalidades.
Mesmo que conste nos pedidos – liminares e de fundo – a suspensão dos trâmites das leis municiais e declaração de suas nulidades, o que se busca com a presente demanda é evitar prejuízo ao erário, mesmo que incidentalmente tenha que se aferir eventualmente violação de normas constitucionais. Tanto é assim que há pedido – de efeito concreto – concernente à suspensão, interrupção ou cancelamento das nomeações para os cargos previstos nas leis. Logo, o cerne da demanda reside na efetiva proteção do patrimônio público, não na análise, em tese, das leis questionadas, ou nas suas constitucionalidades, sendo estes apenas fundamento, causa de pedir, para se chegar ao objeto final da ação.
A análise incidental da inconstitucionalidade de lei é possível em Ação Popular, não descaracterizando sua natureza, não havendo pedido nesse sentido, mas configurando causa de pedir, fundamento, para os pedidos realizados, consoante entendimento exposto no Recurso Especial nº 1559292m julgado em 02/02/2016, cujo Relator foi o Ministro Herman Benjamin. Transcrevo a ementa correspondente.
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. TRANSPORTE URBANO COLETIVO DE PASSAGEIROS. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. CABIMENTO DA AÇÃO POPULAR. PREJUÍZO AO ERÁRIO IN RE IPSA. ADMITIDA A DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI MUNICIPAL. VIOLAÇÃO DA CLÁSULA DE RESERVA DO PLENÁRIO. OFENSA AOS ARTIGOS 480 E 481 DO CPC. SÚMULA VINCULANTE 10/STF.
1. A insurgência das recorrentes cinge-se à possibilidade de o Tribunal a quo declarar, em Ação Popular, de forma incidental, por órgão fracionário, a inconstitucionalidade da Lei Municipal 5.432/2001, que concedeu serviços municipais de transporte público e de passageiro sem prévia licitação.
2. Sobre a necessidade de comprovação de dano em Ação Popular, é possível aferir que a lesividade ao patrimônio público é in re ipsa. Sendo cabível para a proteção da moralidade administrativa, ainda que inexistente o dano material ao patrimônio público, a Lei 4.717/65 estabelece casos de presunção de lesividade, bastando a prova da prática do ato nas hipóteses descritas para considerá-lo nulo de pleno direito.
3. Ademais, é possível a declaração incidental de inconstitucionalidade em Ação Popular, "desde que a controvérsia constitucional não figure como pedido, mas sim como causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal, em torno da tutela do interesse público". (REsp 437.277/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 13/12/2004).
4. A jurisprudência do STJ é de que, "nos termos do art. 481, parágrafo único, do CPC, 'os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão'. Conforme se verifica, a regra exceptiva exige o prévio pronunciamento sobre a questão pelo plenário (ou órgão especial) do respectivo tribunal ou pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, de modo que a existência de precedentes em casos similares que levaram em consideração a legislação de outros entes federativos , por si só, não é suficiente para afastar a cláusula de reserva de plenário" (REsp 1.076.299/BA, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19/10/2010, DJe 27/10/2010.) 5. In casu, não podia o órgão fracionário declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal 5.432/2001 sem observar as regras contidas nos arts. 480 a 482 do CPC, ou seja, sem suscitar o incidente de declaração de inconstitucionalidade.
6. Recursos Especiais parcialmente providos para anular o acórdão recorrido e determinar que seja observado o procedimento previsto nos artigos 480 e seguintes do CPC.
O patrimônio atingido, por sua vez, é o dinheiro público, tendo em vista que a criação dos cargos de forma, em tese, irregular fatalmente atingirá o erário de forma negativa.
E aqui reside o fundamento desta Ação Popular, uma vez que não se limitaria à desconstituição dos atos supostamente irregulares/ilegais, que são as leis municipais atacadas, mas proporcionaria a efetiva proteção do patrimônio público, pois a natural efetivação destas leis acabaria por determinar real prejuízo ao erário municipal.
Corrobora o exposto o teor do art. 15 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que determina que “Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17”.
A inicial embasa suas alegações na afronta ao disposto no art. 16 da referida lei, entre outros fundamentos. Logo, sendo reconhecido o não cumprimento do regramento trazido pelo artigo comentado, não há como deixar de considerar que as leis discutidas determinariam real lesão ao patrimônio público, sendo decorrência legal, além da conclusão de prejuízo fático ao erário.
Por estas razões, entendo não se aplicar ao caso posição segundo a qual não caberia o manejo de Ação Popular para atacar lei em tese ou para declarar a inconstitucionalidade de lei, justamente por não ser o caso em julgamento, mas sim o imediato reflexo patrimonial ao ente público.
E repito, a confirmação do exposto se nota por constar na inicial pedido de exoneração dos servidores ocupantes dos cargos criados pelas leis municipais em discussão, de cunho absolutamente concreto.
Ponderável, ainda, que a votação na Câmara de Vereadores se deu em sessão extraordinária (fl. 388), prescindindo/dificultando maior debate, inclusive com a sociedade Ijuiense, da viabilidade e pertinência dos projetos de lei. Segue julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul sobre o ponto:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO POPULAR. PROJETOS DE LEI VOTADOS EM SESSÃO EXTRAORDINÁRIA, CONVOCADA DURANTE O RECESSO, SEM OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE HORIZONTINA. Trata-se de ação popular proposta com o desiderato de ver reconhecida a invalidade da convocação extraordinária e dos atos subsequentes relacionados à votação e ao trâmite dos projetos de lei nº 110/08, 112/08, 113/08 e 334/08, julgada parcialmente procedente na origem. O projeto de lei nº 110/08 tinha como escopo a criação de diversos cargos em comissão e funções gratificadas no âmbito da administração centralizada do executivo municipal e o projeto de lei nº 334/08 pretendia a criação de cargos em comissão na Câmara de Vereadores, tendo ambos projetos sido votados em sessão extraordinária convocada pelo Prefeito Municipal. Ocorre que no período de funcionamento normal da Câmara de Vereadores exige-se, para a convocação de sessão extraordinária, que o assunto debatido seja a concessão de reajuste salarial aos servidores ou matéria de relevante interesse público, de forma que, por mais razão ainda, no período de recesso, no mínimo, esses limitadores materiais também sejam observados. Destarte, considerando que ambos os projetos de lei, ora em discussão, previam a criação de diversos cargos em comissão e funções gratificadas, não há como considerar que a matéria neles debatida se revestisse de relevante interesse público, pois não há como defender que a não deliberação desses projetos importaria em grave prejuízo à coletividade, ao menos tal situação não restou comprovada nos autos. Ademais, cumpre asseverar que os projetos de lei nº 110/08 e 334/08 não especificavam, de forma clara e detalhada, as funções e atribuições de cada um dos cargos que pretendiam criar, sendo que, como é sabido, os cargos em comissão e as funções gratificadas se prestam unicamente para as funções de direção, chefia e assessoramento. Ainda quanto ao aspecto formal, impõe mencionar também que não houve parecer técnico do Conselho de Política de Administração e de Remuneração de Pessoal relativamente aos projetos ora em análise, bem como também não houve estudo de impacto financeiro, de forma que amplamente demonstrado nos autos que a deliberação dos Projetos de Lei nº 110 e 334, em sessão extraordinária, implicaria em lesão ao patrimônio público, pelo que a sentença deve ser mantida. Considerando o valor fixado na origem a título de honorários advocatícios, tenho que o mesmo merece ser mantido, em observância aos pressupostos elencados no artigo 20, §§3º e 4º, do CPC. As pessoas jurídicas de direito público são isentas do pagamento de custas processuais nos termos da Lei 13.471, de 23.06.2010 que alterou o art. 11 do Regimento das Custas (Lei 8.121/85). Excluídas as despesas judiciais, por força da ADI n.º 70038755864. Sentença explicitada no ponto. APELAÇÃO DESPROVIDA. SENT Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Niwton Carpes da Silva, Julgado em 15/12/2011)
Assim, diante das considerações acima, entendo cabível a Ação Popular ao caso em análise, afastando a preliminar aventada.
Quanto à alegação de ilegitimidade ativa:
Os réus arguiram a ilegitimidade ativa para a causa, sob a alegação de que a parte autora está impedida de exercer a advocacia, contra ou a favor do Município de Ijuí, considerando sua condição de Vereador do Município de Ijuí, além de advogado.
Nesse ponto, em que pese não se tratar propriamente de ilegitimidade ativa para a causa, mas sim de impedimento para o exercício da profissão no caso concreto, tenho que eventual vício foi sanado com a apresentação da procuração juntada na fl. 428, na qual o autor outorga poderes à outra profissional para patrocinar seus interesses neste processo.
Ressalto, por oportuno, que eventual encaminhamento de ofício à OAB ou ao Ministério Público deverá ser realizado pela parte interessada.
Quanto à alegação de inépcia da inicial:
No que se refere à preliminar de inépcia da inicial, alegam os réus que a peça apresentada pelo autor carece de especificação dos pedidos, nos termos do art. 319, IV, do Código de Processo Civil.
Ocorre que os pedidos na exordial foram formulados de forma objetiva e especificada, no sentido de julgar procedente a demanda e declarar a nulidade das leis objeto do presente feito, tornando definitiva a decisão sobre o pedido liminar, consistente na suspensão dos efeitos das referidas leis.
Tanto é verdade, que a parte ré apresentou contestação completa e detalhada, não demonstrando qualquer prejuízo na formulação da tese defensiva.
Afasto também esta preliminar.
Superadas as preliminares, passo à análise do pedido liminar formulado.
Nesse ponto, insta salientar que a Lei que regula a Ação Popular (Lei 4.717/65) permite a suspensão liminar do ato lesivo impugnado, consoante art. 5º, § 4º. Ademais, por força do art. 7º, da Lei 4.717/65, aplicam-se as regras concernentes ao processo de conhecimento, estabelecidas pelo Código de Processo Civil.
A concessão da tutela de urgência demanda a conjugação dos requisitos da probabilidade do direito e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo, consoante dispõe o art. 300 do Código de Processo Civil.
No presente caso, a alegação que dá ensejo ao pedido de concessão da tutela de urgência é a existência de irregularidades no âmbito formal e material das leis municipais nº 6.508, 6.509, 6.510 e 6.511, todas de 12/01/2017, as quais regulam a criação de cargos em comissão na Administração Pública Direta do Poder Executivo, Departamento Municipal de Energia de Ijuí (Demei), Departamento Municipal de Energia de Ijuí Geração (Demei/Geração) e Departamento Municipal de Águas de Ijuí (Demasi).
Em sede de cognição sumária, verifico que a parte autora trouxe indícios de irregularidade no plano formal das leis acima citadas. Conforme se verifica da certidão da fl. 365, os projetos de lei foram apresentados e aprovados sem estarem instruídos com a estimativa de impacto orçamentário e financeiro, conforme exigido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu art. 16, que segue.
Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:
I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;
II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
Ressalto que a violação das determinações da Lei de Responsabilidade Fiscal pode ser tida como base para decisão liminar de suspensão de leis municipais pela via da Ação Popular, como se percebe pelo julgado abaixo, o que deve ser considerado, mesmo que na ementa a violação tenha sido diversa da tratada nesta demanda:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO. ATOS ADMINISTRATIVOS. AÇÃO POPULAR. As Leis Municipais de Bagé números 5.172/12 e 5.173/12 violaram disposição contida na Lei de Responsabilidade Fiscal. Nulos de pleno direito atos de que resultem aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder. Leis impugnadas que ensejaram o incremento de subsídios e dataram de setembro de 2012, ano de eleições municipais. Conservação da decisão agravada. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70059781898, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laura Louzada Jaccottet, Julgado em 06/08/2014)
O documento apresentado pelos réus com a contestação (fl. 421/422) não é suficiente, ao menos neste momento, para suprir o vício evidenciado, notadamente porque mesmo demonstrando, em tese, redução de despesas pela nova legislação, foi apresentado ao autor desta demanda por provocação deste formulada ao Prefeito Municipal, após a aprovação dos projetos de lei. Contudo, por se tratar de dinheiro público, todos os integrantes da Casa Legislativa deveriam ter acesso à tal informação no decorrer da tramitação dos respectivos projetos, inclusive como forma de possibilitar a análise de eventual aumento de despesa com pessoal.
Além disso, referido documento não apresenta relação com a Lei de Diretrizes Orçamentárias, Plano Plurianual e Lei Orçamentária Anual, o que demandaria estudo mais aprofundado do que as estimativas lá referidas. A ausência de tal documentação, por sua vez, enseja igualmente a não observância do art. 17 da mesma lei, por clara impossibilidade de verificação sobre a criação ou não de novas despesas.
Pelas irregularidades até aqui analisadas, já caberia o deferimento do pedido liminar.
No entanto, há outras aventadas na inicial, consistentes no fato de que as atividades atribuídas aos cargos em comissão não são aquelas típicas de chefia, assessoramento ou direção, das quais espera-se relação especial de confiança entre o ocupante do cargo e o Administrador Público, sendo este um requisito intrínseco aos cargos comissionados. A situação exposta, por sua vez, vai de encontro a dispositivos constitucionais na esfera federal e estadual.
Nesse tocante, em análise precária – característica ao momento do processo, é possível perceber que nem todas as atividades descritas nas respectivas leis de criação se enquadram naquelas de direção, chefia ou assessoramento, conforme previsto no art. 32 da Constituição Estadual:
32. Os cargos em comissão, criados por lei em número e com remuneração certos e com atribuições definidas de direção, chefia ou assessoramento, são de livre nomeação e exoneração, observados os requisitos gerais de provimento em cargos estaduais. (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 12, de 14/12/95) (Vide Lei Complementar n.º 10.842/96) (Vide ADI n.º 1521/STF).
Para análise da adequação de regularidade dos cargos criados, não basta verificar se a nomenclatura escolhida se coaduna com tais características (de chefia, direção ou assessoramento), mas sim se a natureza das atividades/funções possuem adequação ao princípio da livre nomeação e exoneração.
Feitas tais considerações, passo à análise, ainda que superficial, de atividades descritas nas Leis Municipais nº 6.508, 6.509, 6.510 e 6.511/2017, criadoras dos cargos em comissão aqui debatidos.
Nesse ponto, tenho que diversos cargos criados possuem atividades incompatíveis com cargos comissionados, ou seja, podem/devem ser exercidos por servidores regularmente aprovados em concurso público, que é a regra para ingresso no serviço público. É o caso, por exemplo, dos cargos de Chefe de Equipe e Diretores, os quais, embora tenham nomenclatura ligada diretamente com a atividade de chefia, assessoramento e direção, não possuem as atividades desta natureza.
Seguem trechos exemplificativos do entendimento acima:
CARGO: DIRETOR
ATRIBUIÇÕES:
Descrição: administrar sob sua responsabilidade, determinando as atividades e orientando execuções, observando as diretrizes, planos e orçamentos, assim como a orientação política do governo. Determinar o encaminhamento e a execução de atribuições pertinentes; traçar as orientações projetos conjuntamente com os Coordenadores e assessores, obedecendo as diretrizes da administração;(…)
CARGO: CHEFE DE EQUIPE
ATRIBUIÇÕES:
Descrição: chefias a equipe sob sua responsabilidade, acompanhando a política administrativa e governamental, conforme as diretrizes de governo; instruir seus subordinados; organizar os serviços; dar conhecimento ao superior hierárquico de todos os fatos ocorridos; promover reuniões periódicas com os subordinados; (…)
Tais atividades, tal como descritas nos anexos das leis, aparentemente, prescindem da especial relação de confiança entre o ocupante do cargo e o superior hierárquico, pois tratam de funções técnicas ou burocráticas, as quais, repito, podem/devem ser exercidas por servidores públicos municipais não comissionados.
Assim, frente a situação exposta, entendo que existem elementos suficientes nos autos indicando a ocorrência de irregularidade na tramitação e aprovação dos projetos de lei que criaram os cargos comissionados, assim como em seu conteúdo, os quais autorizam o deferimento da medida de urgência postulada, consistente na suspensão dos efeitos decorrentes da aprovação das Leis Municipais nº 6.508, 6.509, 6.510 e 6.511/2017.
A suspensão deferida, por sua vez, deve afetar a integralidade dos efeitos das leis mencionadas, assim como todos os cargos por elas criados, tendo em vista o reconhecimento, ao menos neste momento processual, dos vícios acima indicados, que maculam todo o processo de tramitação e aprovação dos dispositivos legais.
Ressalto, mais uma vez, que não se trata de analisar ou mesmo acolher pedido de reconhecimento de inconstitucionalidade das leis objeto da demanda, mas sim do deferimento da suspensão dos efeitos das mesmas, como forma de proteger o patrimônio público municipal.
ISSO POSTO, defiro o pedido de urgência formulado, para o fim de determinar a suspensão dos efeitos das Leis Municipais nº 6.508, 6.509, 6.510 e 6.511/2017. Os efeitos da presente decisão devem retroagir desde a data da publicação das referidas normas, nos termos da fundamentação supra, inclusive relativamente a eventuais nomeações já realizadas, decorrentes das citadas leis.
Intimem-se.
Demais diligências legais
Ijuí, 24/04/2017.
Guilherme Eugênio Mafassioli Corrêa,
Juiz de Direito